2.10.17

Sobre Retalhos de Tempo, de John Banville





«Retalhos do Tempo é o seu livro mais recente (a edição original é de 2016), e chega agora à língua portuguesa em mais uma rica tradução de Paulo Faria, acompanhada por meia centena de fotografias de Paul Joyce. O subtítulo do volume – Um Memorial de Dublin – pode ter efeitos contraditórios, mas os leitores eventualmente cansados de ‘guias literários’, de Dublin ainda por cima, nada devem recear. Sim, é claro que se fala de Beckett, de Joyce e de Yeats, e até de Oscar Wilde. Porém, como o livro nunca perde de vista as memórias pessoais do autor (ainda que ao longe ou só enquanto jovem observador), a Dublin literária mais revisitada é a do período que medeia entre o início da Segunda Guerra Mundial – a “Emergência”, como era referida na neutral Irlanda, recorda Banville, que coincide com a morte de Yeats em 1939, no Sul de França, e a de Joyce em 1941, em Zurique – e meados dos anos de 1960, ou seja, a cidade de Thomas Kinsella, John Montague e, sobretudo, a de Patrick Kavanagh. Fora os “impostores, exibicionistas e poetastros” do pub McDaids, “onde muitas obras-primas foram dissipadas em palavreado e arrebatadas pelo vapor do álcool”. Comenta Banville: “A Irlanda da Era McDaid era um lugar duro e ingrato para alguém com ambições artísticas.”
Pergunta: “Quando é que o passado se torna passado?” Num momento, o autor – que não nasceu em Dublin mas em Wexford, a cidade de Joyce tornando-se-lhe, por isso mesmo, “ainda mais sedutora” – é um menino extasiado, sonhador e pensativo, olhando pela janela de um comboio no dia do seu aniversário. Poucas páginas adiante, ei-lo septuagenário, sentado num dia chuvoso de Primavera a escrever um “quase-memorial”. [Mário Santos, Público, ípsilon, 25-9-2017]

Sem comentários:

Enviar um comentário