23.6.17

Sobre Uma Volta ao Mundo com Leitores, de Sandra Barão Nobre




«O livro de Sandra Barão Nobre, Uma Volta ao Mundo com Leitores (Relógio D’Água), é um exercício de resposta. Provavelmente todos nos questionamos sobre o que leem aqueles que leem no nosso caminho. Há um traço de identidade que se define pelo que lemos. Creio que auscultamos os livros dos outros para sabermos de que modo nos podem corresponder. É um certo jogo de Cinderela. O livro não podia ser melhor sapato de cristal para encontrar amigos ou amores. Lembro de ver uma moça a ler Um Certo Plume, de Michaux, e de me precipitar sobre ela como se descobrisse uma gota de água no extenso deserto. Lembro de responder-me que encontrara o livro num banco. Nem sequer estava a gostar. Parecia-lhe poesia. O sapato de cristal partiu bem no meio do meu coração.
Há uns bons anos acompanho o blogue de Sandra Nobre, Acordo Fotográfico, feito do instante da leitura, esse lado de lata intimidade e errância. Sinto como se visse gente meio despida. Gente que se revela. À volta do mundo, gente que lê serve para um retrato do que se pode pensar e almejar hoje. O percurso que Sandra Nobre faz permite intuir um certo desiderato. Há como que um sonho pressuposto em cada leitura. ainda que possam temer o fim de todas as coisas, mesmo o fim da vida, os que leem sonham ainda. Não se lê senão com essa condição de estar para lá do que há.
O trabalho de Sandra Barão Nobre traz a ternura que pode guardar-se por quem lê, como nos enternece que o conhecimento, a sua depuração e a beleza possam ser uma ansiedade também dos outros. Move-nos a esplendorosa esperança numa eureka que mude um cidadão para um herói ou um amante, alguém que solucione ou ame, alguém que verdadeiramente se redima da condenação de consumir e passe sobretudo a ser pessoa. Que seja um herói ou um amante, que significam algo de tão semelhante. Tão admiráveis e sagrados.
Não é o voyeurismo que está em causa, é o sapato de cristal para heróis e amantes. Uma busca fundamental num tempo em que acreditamos menos no futuro de um olhar de soslaio na rua. Os livros são imediatos olhares ao recato ou fremente de cada um. São como ver com um mapa esboçado o que pode ser o labirinto identitário de cada um. Por onde tem a Sandra Nobre passado. Pelo labirinto riquíssimo dos que leem. Para que nos conheçamos todos e nos salvemos ou, ao menos, amemos. Tão sagrados, todos.» [Valter Hugo Mãe, JL]

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