A jornalista Isabel Lucas entrevistou Richard Flanagan, autor
de A Senda Estreita para o Norte Profundo, vencedor do Man Booker
Prize 2014.
«“Cresci a pensar que era a mais bela das histórias”, conta
Richard Flanagan numa conversa ao telefone a partir da Tasmânia, a ilha onde
nasceu e onde vive, meses após ter vencido o Man Booker Prize com o romance A
Senda Estreita para o Norte Profundo. O prémio, diz, tornou possível a
continuação da sua vida literária.
Naquela tarde, Flanagan entrou a seguir num bar e escreveu
durante horas tudo o que aquela história lhe sugeria, “a importância das
escolhas e a sua capacidade destrutiva ou salvadora, o efeito surpresa e o
quanto, nesse momento, a vida exige de nós”, continua, também agora num fim de
tarde, a partir da sua casa na ilha da Tasmânia, onde nasceu em 1961. Estava
encontrada a base do romance que ele não sabia bem o que iria ser, mas que
falava de um australiano feito prisioneiro de guerra pelos japoneses na II
Guerra Mundial, um dos 60 mil que iriam construir os 450 quilómetros de
caminho-de-ferro entre o Norte de Banguecoque e a Birmânia, em 1943. A
"linha da morte", como ficou conhecida, era um projecto central para
os japoneses, construído com recurso a mão de obra escrava. O pai de Richard
Flanagan fora um desses homens e sobreviveu.
O escritor escolheu falar do trauma colectivo partindo do
trauma pessoal e decidiu fazê-lo sem julgamento. “Uma das melhores coisas na
cultura japonesa é a literatura e, nela, Matsuo Basho [poeta do período Edo,
1644 e 1694]. Queria usar o que há de melhor na cultura japonesa para falar do
que houve de mais baixo e que esteve naquela guerra imperial em que foram
cometidos crimes hediondos. Quanto melhor eu usasse essa relação mais seriam as
hipóteses de ter um bom livro, que não julgasse. Queria olhar para aqueles
homens. Pensei que se pudesse ter um história de amor no centro de um livro sobre
um prisioneiro de guerra que achou ter perdido o amor da sua vida teria o
necessário para que o romance funcionasse”, conta Flanagan, explicando também o
título, réplica de uma frase de Basho, o poeta que dois responsáveis pelo
exército imperial japonês citam nos intervalos do horror que promovem. Basho,
dizem eles no romance, é um dos exemplos do “dom supremo do Japão”, o dom de
“retratar tão concisa e maravilhosamente a vida”. Na interpretação daqueles
militares, no ano de 1943 esse dom materializa-se no “objectivo supremo”: a
construção do caminho-de-ferro.» [Público, ípsilon, 3-7-2015]
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