6.7.15

Entrevista a Richard Flanagan, autor de A Senda Estreita para o Norte Profundo




A jornalista Isabel Lucas entrevistou Richard Flanagan, autor de A Senda Estreita para o Norte Profundo, vencedor do Man Booker Prize 2014.


 

«“Cresci a pensar que era a mais bela das histórias”, conta Richard Flanagan numa conversa ao telefone a partir da Tasmânia, a ilha onde nasceu e onde vive, meses após ter vencido o Man Booker Prize com o romance A Senda Estreita para o Norte Profundo. O prémio, diz, tornou possível a continuação da sua vida literária.

Naquela tarde, Flanagan entrou a seguir num bar e escreveu durante horas tudo o que aquela história lhe sugeria, “a importância das escolhas e a sua capacidade destrutiva ou salvadora, o efeito surpresa e o quanto, nesse momento, a vida exige de nós”, continua, também agora num fim de tarde, a partir da sua casa na ilha da Tasmânia, onde nasceu em 1961. Estava encontrada a base do romance que ele não sabia bem o que iria ser, mas que falava de um australiano feito prisioneiro de guerra pelos japoneses na II Guerra Mundial, um dos 60 mil que iriam construir os 450 quilómetros de caminho-de-ferro entre o Norte de Banguecoque e a Birmânia, em 1943. A "linha da morte", como ficou conhecida, era um projecto central para os japoneses, construído com recurso a mão de obra escrava. O pai de Richard Flanagan fora um desses homens e sobreviveu.

O escritor escolheu falar do trauma colectivo partindo do trauma pessoal e decidiu fazê-lo sem julgamento. “Uma das melhores coisas na cultura japonesa é a literatura e, nela, Matsuo Basho [poeta do período Edo, 1644 e 1694]. Queria usar o que há de melhor na cultura japonesa para falar do que houve de mais baixo e que esteve naquela guerra imperial em que foram cometidos crimes hediondos. Quanto melhor eu usasse essa relação mais seriam as hipóteses de ter um bom livro, que não julgasse. Queria olhar para aqueles homens. Pensei que se pudesse ter um história de amor no centro de um livro sobre um prisioneiro de guerra que achou ter perdido o amor da sua vida teria o necessário para que o romance funcionasse”, conta Flanagan, explicando também o título, réplica de uma frase de Basho, o poeta que dois responsáveis pelo exército imperial japonês citam nos intervalos do horror que promovem. Basho, dizem eles no romance, é um dos exemplos do “dom supremo do Japão”, o dom de “retratar tão concisa e maravilhosamente a vida”. Na interpretação daqueles militares, no ano de 1943 esse dom materializa-se no “objectivo supremo”: a construção do caminho-de-ferro.» [Público, ípsilon, 3-7-2015]

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