6.4.15

Sobre A Morte do Pai, de Karl Ove Knausgård

 


A Ler de Março de 2015 publica uma entrevista de Isabel Lucas a Karl Ove Knausgård, a propósito de A Morte do Pai, o primeiro dos seis volumes da obra A Minha Luta.

«A voz soa grave, o sotaque como o de um alemão. Se há impaciência ou irritação por estar mais uma vez a falar com um jornalista sobre A Minha Luta não se nota. Depois de cada pergunta há uma pausa. O autor não quer parecer um autómato, com as mesmas respostas a perguntas que se resumem a uma: porquê e como tudo aquilo aconteceu. “Teimosia e ingenuidade, luta contra um tempo que me tornava velho e incapaz. Ou era aquilo ou não. Estava disposto a hipotecar a minha vida: casamento, filhos, amigos… Era a minha grande prova, eu ser capaz de fazer algo maior do que eu na literatura, e fui na vertigem, meio autista meio inconsciente, como alguém drogado. Só acordei desse torpor depois, quando todos falavam do que eu tinha feito. E isso foi brutal. Penso muitas vezes que se soubesse que era assim não teria avançado. Queria isolar-me outra vez, mas era impossível. Tenho de seguir. (…) Karl Ove Knausgård, 46 anos, não sabe quantas vezes já falou sobre a “loucura” que foi escrever A Minha Luta, um projeto tão pessoal que é quase antiliterário. Não é bem ficção, é sobre o que lhe aconteceu ao longo da vida. Não é realismo, não é hiper-realismo. Há factos, há a reflexão sobre eles, há uma tentativa de reconstrução do eu através do modo como a mente pode funcionar. Com traições e emoções. Sem concessão a conveniências sociais, políticas, amorossas. A ficção entra onde a memória não é capaz de chegar, no irrecuperável, ou na forma como essa memória intervém para mudar o passado à medida do presente. A ficção entra também no modo como necessariamente manipula os factos pessoais para construir essa narrativa íntima. “Não é algo apenas factual, apesar de os factos lá contidos serem reais. Há um trabalho de reconstrução de ambientes, de diálogos, de sensações, de deambulação para pensamentos. O acaso e o imponderável, o poder do que já não é previsível. Como na vida. É aí que o real toca a imaginação e se pode chamar ficção ao que prefiro designar como memória ficcionada ou uma mentira muito realista”, diz Karl Ove Knausgård.»

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