27.2.15

Žižek e Tsipras discutem o futuro da esquerda na Europa




 

Publicamos em seguida alguns fragmentos do debate travado entre Slavoj Žižek e Alexis Tsipras, em 2013, no Festival Subversivo, e moderado por Srećko Horvat.


«Srećko Horvat: Então, a pergunta seguinte é sobre quem são os aliados potenciais do Syriza nesse combate. (…)


Slavoj Žižek: (…) O ponto cuja importância me interessa sublinhar, como tu muito bem fizeste, refere-se à questão das alianças. Há uma ideia que repito regularmente, mas que gostaria de retomar mais uma vez. As grandes revoluções não me fascinam, como sabes — um milhão de pessoas na Praça Tahrir, uma espécie de orgasmo colectivo, todos a gritarmos ao mesmo uma espécie de orgasmo colectivo, todos a gritarmos ao mesmo tempo, e todos unidos. Sim, está muito bem, mas a verdadeira questão é, para mim, a do dia seguinte. Posso imaginar o triunfo, e Atenas em peso a cantar vitória, se o Syriza vencer. Mas, e depois? O que me interessa, e a ti também, Alexis, porque és um tipo sério, é o que a vossa vitória significará para a vida das pessoas comuns depois desta voltar ao normal? E é aqui que assume toda a importância a ideia já referida das alianças inteligentes. Porque há uma afirmação tua que pode ser mal interpretada: a ideia do Syriza será simplesmente tirar aos ricos para dar aos pobres? Todos sabemos, com efeito, que a simples redistribuição não basta, e devemos ser muito cuidadosos ao lidar com o problema. Uma vez que, pelo menos durante algumas décadas mais, continuaremos a viver em regime capitalista, gostaria de recuperar aqui o conceito um tanto misterioso de “burguesia patriótica”, como se dizia nos velhos tempos do comunismo. É um termo que se refere aos capitalistas que, devido ao lugar que ocupam, não são simplesmente parte de uma máfia internacional de exploradores, mas estão efectivamente interessados em produzir para as pessoas, etc. Portanto, creio ser essencial sublinhar, a propósito das medidas redistributivas que perspectivaste, que não se trata de atacar simplesmente os ricos em geral, mas de aplicar uma estratégia cuidadosamente concebida. Por disparatado que possa parecer, gosto de imaginar que o Syriza deverá — no quadro de uma redistribuição global — facilitar também a vida dos capitalistas verdadeiramente produtivos. (…) Portanto, faz-se sentir aqui a necessidade, como disseste, de alianças amplas e não ortodoxas, o que parece essencial para convencer as pessoas de que o Syriza pretende algo diferente de desencadear uma revolução esquerdista tresloucada — o Syriza deveria até modernizar o Estado grego, torná-lo Finalmente eficaz e até mesmo muito mais “burguês”. E temos aqui uma oportunidade para o Syriza: vocês terão de fazer a tarefa honesta que os membros da classe capitalista dominante não foram, eles próprios, capazes de fazer. Mas, como tu dizias, será necessário bastante bom senso. Não sei se te dás conta que, devido à tentação que a ortodoxia exerce sobre a esquerda — “não atraiçoemos os nossos princípios, sejamos radicais” —, a esquerda radical secretamente, e ao contrário do que o Syriza faz e me leva a admirá-lo, não quis nunca ter poder, e os seus membros preferiram manter-se no papel de profetas negativos. Vocês têm uma oportunidade única, e é por isso que, sendo ateu, declaro agora, na minha qualidade de ateu, que todas as minhas preces são para rezar por vocês.


Srećko Horvat: Gostava de voltar a uma questão anterior levantada pelo Slavoj — a questão do dia seguinte. Sabemos que o Syriza é uma coligação muito ampla, e vocês foram capazes de se libertar efectivamente desse problema clássico que a divisão entre fracções tem sido para todos os grupos esquerdistas. Há um magnífico artigo de Georg Lukács, intitulado “Hotel Abgrund” (“Hotel Abismo”), que descreve esse lugar onde todos os esquerdistas se reúnem, e bebem vinho ou polemizam uns com os outros, a um passo da beira do abismo. Creio que o Syriza se apercebeu da ameaça do abismo, e que isso o levou a evitar a divisão em fracções. A minha pergunta é sobre como conseguiram vocês levar a cabo essa tarefa e formar uma coligação tão ampla, e com tal sucesso que, há dizer-me que, na realidade, o Syriza estava prestes a transformar-se num partido e a deixar de ser uma simples coligação.
 

Alexis Tsipras: Para ser franco, devo dizer que nem nós próprios sabemos bem como isso aconteceu. Creio que essa transformação do Syriza foi obra das pessoas, mais do que do próprio Syriza. (…) Propus, portanto, que mudássemos os termos do registo, a fim de beneficiarmos do bónus no caso de sermos o partido mais votado. Toda a gente pensou que eu estava louco, porque ninguém, nem eu próprio, acreditava que estivéssemos tão perto de chegar ao poder. Se eu tivesse feito a minha proposta de unificação, de transformar a coligação num partido unificado, antes das primeiras eleições de 2012, ninguém a teria apoiado. Mas, logo a seguir, no dia das eleições, foram as pessoas que votaram a reclamar a transformação do Syriza, a incumbir-nos da tarefa de nos tornarmos a principal força política do país, e de tentarmos unir toda a esquerda, e não só a esquerda. Se analisarmos os resultados eleitorais, descobriremos duas grandes divisões — uma divisão em termos de classe e uma divisão etária. Os que votaram em nós eram jovens, por um lado, e, por outro, trabalhadores e membros da classe média: nas zonas operárias da Grécia, obtivemos 40 por cento dos sufrágios; nas zonas burguesas, 15 por cento — e, do ponto de vista etário, atingimos os 45 por cento entre os eleitores cuja idade se situava entre os 18 e os 45 anos, e 15 por cento entre os que tinham mais de 60 anos. Durante a campanha, dizíamos a brincar que, para conseguirmos vencer, teríamos de fechar em casa os nossos avós. Devo dizer que houve aqui uma grande transformação no sistema de crenças das pessoas, e julgo que aquilo que se passou com o Syriza não significa uma adesão da maioria à esquerda radical, mas uma transformação radical das pessoas, que começaram a tentar pensar livres de tabus políticos: as pessoas queriam uma mudança muito grande e profunda, e viram em nós a única força política grega capaz de fazer o que prometia. E acontece também que nós continuamos com as mãos limpas. Ninguém espera que o Syriza transforme a situação de um momento para o outro, mas toda a gente espera que não mudemos as nossas posições, ainda que os nossos inimigos nos ataquem.»


25.2.15

… E Elena Ferrante aceita a candidatura






A escritora já respondeu entretanto ao desafio de Roberto Saviano, começando por pedir para ir directa ao essencial da questão.
Elena Ferrante pensar que não há possibilidade de vencer mas afirma que se sente atraída pela ideia de baralhar as cartas.
A escritora cuja identidade é desconhecida considera que os seus livros não devem ser levados pela trela, devendo antes ser expostos ao mundo para o bem e para o mal.
«O princípio em que confio há 23 anos é o de que eles, entre venturas e desventuras,elogios e insultos, têm de encontrar o seu bom caminho.»
 
 

24.2.15

Roberto Saviano propõe Elena Ferrante para o Strega...


 


O escritor italiano Roberto Saviano publicou uma carta no jornal La Repubblica, pedindo a Elena Ferrante para se candidatar ao mais conhecido prémio italiano, o Strega:

«Cara Elena Ferrante, escrevo-te sem te conhecer pessoalmente, mas como leitor, e creio que é este o tipo de conhecimento que prefiro. Nunca senti curiosidade em saber o que se esconde atrás do teu nome, porque desde rapaz tenho as páginas que escreves à minha disposição. Isso chegava-me e chega-me ainda para acreditar que te conheço, para saber quem és. Uma pessoa próxima e familiar.
Trato-te por tu, não porque o ter também nascido em terras napolitanas me faça sentir familiar, mas porque pretendo ser directo como se fosse falar-te no meio de um jantar. Em resumo, para não me alongar, escrevo-te porque quero convidar-te a participar no prémio Strega, mesmo sabendo que não estarás presente e que não farás nada para promover L'amica geniale (A Amiga Genial).
Como autor sinto-me afortunado e partilho a tua indiferença pela lógica dos prémios literários, mas, como leitor, creio que a tua presença no Strega seria um modo de se conseguir finalmente aquilo por que há anos ansiamos: acabar com a lógica de repartição de influências, fazer de modo a que escritores de outras editoras possam aspirar ao pódio. (…)»

23.2.15

As despedidas de Oliver Sacks



 

Num artigo divulgado em vários órgãos de informação, o escritor neurologista Oliver Sacks, autor de obras como O Homem Que Confundiu a Mulher com Um Chapéu, Despertares e Musicofilia, anunciou a sua morte próxima: «Há um mês encontrava-me bem de saúde, ou mesmo francamente bem. Com os meus 81 anos, continuava a nadar 1,5 km todos os dias. Mas a minha sorte tinha um limite: pouco depois tomei conhecimento de que tinha metástases múltiplas no fígado. Há cerca de nove anos, descobriram-me no olho um tumor pouco frequente, um melanoma ocular. Apesar de a radição e o laser para remover o tumor terem acabado por me deixar cego desse olho, é muito raro que esse tumor se reproduza. Pois bem, eu pertenço aos desafortunados 2 % a quem isso acontece.
Dou graças por ter desfrutado de nove anos de boa saúde e produtividade desde o diagnóstico inicial, mas chegou o momento de enfrentar de perto a morte. As metástases ocupam um terço do meu fígado, e, ainda que se possa atrasar o seu avanço, é um tipo de cancro que não pode ser detido.
Agora devo decidir como viver os meses que me restam. Tenho de os viver da maneira mais rica, intensa e produtiva que me for possível. Sou encorajado pelas palavras de um dos meus filósofos preferidos, David Hume, que, ao saber-se mortalmente doente, aos 65 anos, escreveu uma breve autobiografia num único dia de Abril de 1776. Intitulou-a A Minha Própria Vida. (…)
Tive a imensa sorte de viver além dos 80 anos, e estes 15 anos que vivi a mais do que Hume foram tão prósperos no trabalho como no amor. Nesse tempo publiquei cinco livros e terminei uma autobiografia (bastante mais extensa do que as breves páginas de Hume), que será publicada na Primavera; e tenho mais alguns livros quase terminados. (…)
Nos últimos dias, pude ver a minha vida como se a observasse de muito alto, como uma espécie de paisagem, e com uma profunda sensação da ligação entre todas as suas partes. Isto não significa que dê por terminada a vida.
Pelo contrário, sinto-me intensamente vivo, e quero e desejo, no tempo que me resta, aprofundar as minhas amizades, despedir-me daqueles que amo, escrever mais, viajar se tiver força suficiente, alcançar novos níveis de compreensão e discernimento. (…)
Não posso fingir que não tenho medo. Mas o sentimento que prevalece em mim é a gratidão. Amei e fui amado, foi-me dado muito e dei algo em retribuição, li e viajei e pensei e escrevi. Tive uma relação com o mundo, a relação especial dos escritores e leitores.
Acima de tudo, tenho sido um ser sensível, um animal pensante, neste belo planeta, e isso, por si só, tem sido um enorme privilégio e uma aventura.»


Harper Lee, vítima do mito





 

É com este título que Isabel Lucas aborda no ípsilon de 20 de Fevereiro o alvoroço causado pelo anúncio da publicação de Go Set a Watchman, escrito por Harper Lee.
Até agora, era considerada autora de um único romance, Mataram a Cotovia, publicado pela Relógio D’Água, em tradução de Fernando Ferreira Alves, em 2012.
«Alguém que sempre fugiu ao mito é a sua principal vítima. Harper Lee, a autora de Mataram a Cotovia, romance símbolo de uma América à procura de igualdade para a sua população, está no centro de uma polémica que a ultrapassa depois de ser anunciado um inédito seu a sair em Julho. Estará louca? A ser manipulada? Estará o livro à altura? Porquê agora? O que pode o mercado? Perante isto, ela promete continuar em silêncio.»
A jornalista do Público cita um artigo de Lee Siegel, que conheceu Harper Lee há uns quinze anos. Nesse encontro, Siegel achou-a «tímida, sossegada, modesta, irónica, desconcertantemente sincera, uma mulher pequena que parecia esmagada por ter escrito um livro que era considerado uma das obras de arte da literatura americana».
Agora, em artigo na New Yorker, Siegel «faz a ponte entre a grande mensagem do livro anterior, quando Atticus Finch pede ao tribunal  para dar o benefício da dúvida ao homem que está a defender e que está a ser falsamente acusado de violação, para aplicar agora em relação a Harper Lee: “Dêem-lhe o benefício da dúvida.”
Lembra que a escritora não mentiu sobre não escrever mais: o livro foi escrito antes de Mataram a Cotovia.
“Esta é uma primeira versão que vai ser publicada. Se as pessoas se sentem desconfortáveis com isso é porque estão a usar a ocasião para expressar a sua revolta contra a ascendência do poder do mercado e tornam a publicação de Go Set a Watchman um produto da sua raiva. Eu sou capaz de entender isso, mas isso não tem nada a ver com o romance.»

 

Sobre Fogo Pálido, de Vladimir Nabokov




«A pergunta é dupla e dúplice: é o leitor que cria a ficção que o cria ou é a ficção que cria o leitor que a cria? Fogo Pálido é um ensaio de resposta. E a resposta é circular e, por isso, infinita. Talvez pudéssemos convocar uma daquelas gravuras de geometria absurda de Escher para emblema deste livro. (…) Fogo Pálido é o melhor livro de Vladimir Nabokov. O mais desafiador e o mais enigmático. É um portento.» [Mário Santos, Time Out, 18-2-2015]

Sobre Não Posso nem Quero, de Lydia Davis





«De alguma forma Lydia Davis inventou um formato literário, ou pelo menos ajudou a torná-lo nobre. Os seus livros de histórias breves assemelham-se a um desses blogues de reflexões e observações do quotidiano, textinhos avulsos transpostos para livro, quase sempre realistas, frequentemente autobiográficos. A diferença – a grande diferença – para a mediocridade que grassa na internet (e nas livrarias, já agora) está na originalidade do olhar, no cuidado da linguagem e no humor sintético, desconcertante e inteligente.» [Ricardo Dias Felner, Time Out, 18-2-2015]

16.2.15

Pedro Mexia escreve sobre Knausgård na revista E






Na revista E do último número do Expresso o crítico Pedro Mexia escreve sobre A Morte do Pai, de Karl Ove Knausgård, o primeiro dos seis volumes de A Minha Luta, considerando-o «um dos mais ambiciosos projectos literários dos últimos tempos, capaz de transformar a autobiografia em romance».
«Em Knausgård, a escrita não é apaziguamento, catarse ou sentido: é vontade de exaustão, de destruição, vagarosa, minuciosa, inesgotável. O que interessa não é “o que acontece aqui e acolá (…)  mas sim o próprio aqui e acolá”. Não um tema, um enredo, um estilo, mas uma forma, um projecto, uma pergunta: “Porquê viver num mundo sem se sentir o peso dele?”» [14/2/2015]

Sobre Extraterritorial, de George Steiner






«A “extraterritorialidade” a que o título alude prende-se sobretudo com os três primeiros ensaios dedicados, por ordem, a Vladimir Nabokov, Samuel Beckett e Jorge Luis Borges, autores nos quais foi determinante a relação com uma linguagem nómada, múltipla, “exterior”. Leia-se: “Em certo sentido, o director da Biblioteca Nacional da Argentina é hoje o mais original dos escritores anglo-saxónicos”, o que não deixaria de estar ligado “aos seus prodigiosos dotes linguísticos”. No caso de Beckett temos o binómio inglês/francês, e no de Nabokov o russo como língua materna trocada literariamente pelo inglês.»

[Ana Cristina Leonardo, revista E, Expresso, 14-2-2015]

Sobre O Que Quer que Europa?, de Slavoj Žižek e Srećko Horvat





Na revista E do Expresso, em «Culturas — Obrigatório», um dos livros destacados é O Que Quer que Europa?:

«Publicado em 2013, este volume alterna ensaios de Žižek e de um jovem filósofo croata. O subtítulo é «A União e os Seus Descontentamentos», mas abordam-se outros temas, tanto políticos como culturais. O Prefácio é de Alexis Tsipras (dois anos antes de se tornar primeiro-ministro grego), entrevistado por Horvat antes de debater com Žižek, no capítulo final, “o papel da esquerda europeia”. Mais atual era impossível.» [14-2-2015]

13.2.15

Sobre Não Posso nem Quero, de Lydia Davis





«Lydia Davis (n. 1947), uma das vozes mais singulares da literatura americana contemporânea. Nesta colectânea de contos, Lydia parte de observações prosaicas para construir as suas histórias. A secura e brutalidade do quotidiano podem revestir a forma inesperada de um relatório, como acontece com Molly, Gata: Historial e Observações, cuja linearidade, sem resquício de emoção, enfatiza o sentido do trágico. Verdade que certos contos não os podemos considerar como tal. Aforismos, uma frase, duas linhas, apontamentos estenográficos de ficções a haver, não são contos, são aquilo a que alguma crítica complacente chama flash-stories. Flash anda lá perto. Um exemplo: «Ela sabe que está em Chicago. / Mas ainda não percebeu que está no Illinois

[Eduardo Pitta, no blogue Da Literatura, sobre texto publicado na revista Sábado, 12-2-2015]

Duzentos Poemas de Emily Dickinson Apresentados na Fundação José Saramago





A tradução de Duzentos Poemas de Emily Dickinson feita por Ana Luísa Amaral será apresentada no próximo dia 18 de Fevereiro, quarta-feira, às 18h30, na Fundação José Saramago.
A apresentação da obra será feita por João Barrento, e Ana Luísa Amaral irá ler alguns dos poemas traduzidos.
A Fundação José Saramago fica na Casa dos Bicos, na Rua dos Bacalhoeiros, n.º 10, em Lisboa.

12.2.15

Sobre Mataram a Cotovia, de Harper Lee





Situado em Maycomb, uma pequena cidade imaginária do Alabama, durante a Grande Depressão, o romance de Harper Lee, vencedor do Prémio Pulitzer, em 1961, fala-nos do crescimento de uma rapariga numa sociedade racista.
Scout, a protagonista rebelde e irónica, é criada com o irmão, Jem, pelo seu pai viúvo, Atticus Finch. Ele é um advogado que lhes fala como se fossem capazes de entender as suas ideias, encorajando-os a refletirem, em vez de se deixarem arrastar pela ignorância e o preconceito.
Atticus vive de acordo com as suas convicções. É então que uma acusação de violação de uma jovem branca é lançada contra Tom Robinson, um dos habitantes negros da cidade. Atticus concorda em defendê-lo, oferecendo uma interpretação plausível das provas e preparando-se para resistir à intimidação dos que desejam resolver o caso através do linchamento. Quando a histeria aumenta, Tom é condenado e Bob Ewell, o acusador, tenta punir o advogado de um modo brutal.
Entretanto, os seus dois filhos e um amigo encenam em miniatura o seu próprio drama de medos, centrado em Boo Radley, uma lenda local que vive em reclusão numa casa vizinha.
Harper Lee escreveu Mataram a Cotovia aos 34 anos. Só no início de 2015 se sabe que irá publicar, em breve, uma continuação do romance com o título Go Set a Watchman.


«O estilo de Harper Lee revela-nos uma prosa enérgica e vigorosa capaz de traduzir com minúcia o modo de vida e o falar sulistas, bem como uma imensa panóplia de verdades úteis sobre a infância no Sul dos EUA.» [Time]

Sobre Morte Aparente no Pensamento, de Peter Sloterdijk






No programa Livro do Dia de 4 de Fevereiro de 2015, na TSF, Carlos Vaz Marques falou sobre Morte Aparente no Pensamento, de Peter Sloterdijk.

O programa pode ser ouvido aqui.

11.2.15

Nas livrarias: Piloto de Guerra, de Antoine de Saint-Exupéry





«Estamos nos finais de Maio, em plena retirada, em pleno desastre. Sacrificam-se tripulações como quem lança copos de água num incêndio na floresta. Como se podem avaliar os riscos quando tudo se desmorona? (…) Em três semanas perdemos dezassete das vinte e três tripulações. Derretemos como a cera. (…)
Sabemos muito bem que a única coisa a fazer é lançarmo-nos na fogueira, mesmo que isso seja um gesto inútil. Em toda a França somos cinquenta. Nos nossos ombros pesa toda a estratégia do exército francês!»

Nas livrarias: Voo Nocturno, de Antoine de Saint-Exupéry





«Para as companhias de navegação aérea tratava-se duma luta de velocidade com os outros meios de transporte.
(…) Gosto do primeiro livro de Saint-Exupéry, mas deste gosto mais. Em Correio do Sul, às recordações do aviador, registadas com uma precisão surpreendente, misturava-se uma intriga sentimental que aproximava de nós o herói. Tão faminto de ternura, como o sentíamos humano, vulnerável! O herói de Voo Nocturno, conquanto não desumanizado, eleva-se até uma virtude sobre-humana. Creio que o que me agrada mais nesta narrativa vibrante é a sua nobreza. As fraquezas, os abandonos, as quedas do homem, conhecemo-las sobejamente, e a literatura dos nossos dias é por demais hábil a denunciá-las; mas é sobretudo desta superação de si que a vontade tensa obtém que temos necessidade que nos mostrem.
(…) O que conta, Saint-Exupéry conta-o “com conhecimento de causa». O afrontamento pessoal dum perigo frequente dá ao seu livro um sabor autêntico e inimitável.”»

Do Prefácio de André Gide

Nas livrarias: Da Natureza das Coisas, de Lucrécio






O poema filosófico Da Natureza das Coisas (De Rerum Natura), escrito por volta do ano 50 a. C., pelo romano Tito Lucrécio Caro, é uma das mais importantes obras da Antiguidade Clássica.
Lucrécio considerou-se o primeiro pensador a expor aos romanos a doutrina epicurista e a grandeza poética da sua obra foi reconhecida de modo quase imediato.
Ovídio escreveu que «os versos do sublime Lucrécio» iriam perdurar enquanto o mundo existisse. Cícero declarou que o poema era «não apenas rico em brilhante engenhosidade, como artisticamente elevado». E Virgílio, que segundo algumas crónicas praticou o ritual romano de passagem à idade adulta no mesmo dia em que Lucrécio faleceu, prestou-lhe homenagem, dizendo que era o homem que conseguiu «encontrar a causa das coisas e que tinha espezinhado todos os temores».

Nas livrarias: «O Que Quer a Europa?», de Slavoj Žižek e Srećko Horvat; Prefácio, Debate e Entrevista: Alexis Tsipras






«E é aqui que reside a verdadeira mensagem dos protestos populares “irracionais” que se espalham por toda a Europa: os contestatários sabem muito bem o que não querem; não pretendem ter respostas fáceis e já prontas; mas o que o seu instinto lhes diz é, todavia, verdade: aqueles que estão no poder também não sabem. Na Europa, hoje, os guias dos cegos são outros cegos.»
Slavoj Žižek


«Declarou-se que este programa seria extremamente rápido e eficaz, e que a Grécia em breve “nasceria de novo” e regressaria à via do crescimento. Mas, três anos passados sobre a assinatura do “Memorando”, a situação vai de mal a pior. A economia afunda-se cada vez mais, e os impostos ficam evidentemente por recolher, pela simples razão de que os cidadãos gregos são incapazes de os pagar. A redução da despesa atingiu agora o fulcro da coesão social, criando as condições de uma crise humanitária.»
Do Prefácio de Alexis Tsipras


Deste livro faz parte uma entrevista a Alexis Tsipras, um debate entre este e Žižek sobre «O Papel da Esquerda Europeia», e uma abordagem de Žižek à questão da dívida.


9.2.15

Fogo Pálido no «Obrigatório» da revista «E» do Expresso




 

«Apogeu dos jogos literários de Nabokov, este romance é uma caixa chinesa de ficções dentro de ficções. No início há um poema em quatro cantos, com 999 versos, analisado de perto através de um aparato crítico que é a própria matéria da narrativa; e onde se desenterra a relação entre o poeta e o académico que o estuda e comenta (a quem pertence “a última palavra”). Engenhoso, erudito e pós-moderno, Fogo Pálido é uma demonstração vigorosa da inteligência e ironia do escritor russo.» [E, Expresso, 7-2-2015]

2.2.15

Sobre O Planeta do Sr. Sammler, de Saul Bellow





«Tem um enredo escasso, o sétimo romance de Saul Bellow, de 1970, pontuado porém por uns quantos incidentes burlescos: um carteirista apanhado no acto, uma inundação numa casa de campo, um manuscrito roubado, um desastre de avioneta. Episódios que são sobretudo uma ocasião para as divagações e diatribes de Artur Sammler. “Artur como Schopenhauer”, diz ele. Judeu polaco, sobrevivente aos nazis, educado em Londres, estudioso de Wells, o septuagenário vive numa Nova Iorque descrita, em prosa imprevisível e expressionista, como sórdida e fétida, embora vibrante. Tomam conta dele a filha solteira e uma sobrinha viúva, enquanto outro sobrinho, médico, o sustenta. Sammler é respeitado como um símbolo, como alguém que esteve quase morto, enterrado vivo. E como um intelectual, atreito a discursos sobre as civilizações. Um Toynbee ou um Canetti, em versão platónica, agostiniana, extemporânea.» [Pedro Mexia, E, Expresso, 23-1-2015]

Isabel Lucas sobre Elena Ferrante





«Quem é Elena Ferrante? A pergunta atravessa o mundo literário que procura saber da identidade de uma italiana que desafia classificações e se afirma como uma das mais geniais autoras da actualidade. A Relógio D’Água está a publicar a sua obra. (…) O rosto de Elena Ferrante será então o de todas as suas mulheres, mas sobretudo o de Lenù e Lila, uma o oposto da outra, em luta, nunca pacificadas. “São elas que melhor me capturam”, confessa Ferrante, consciente de que é incapaz de apagar a “polémica”, como lhe chama, ou a atenção dos media para a sua identidade. Não quer que isso ultrapasse o interesse pela literatura, mas é impossível estabelecer fronteiras. O nome Ferrante traz já implícito esse mistério. Outro território ambíguo, o que lhe dá a liberdade criativa, mas atrai os holofotes de que se quer distanciar. O que fazer? “Só me quero distanciar da história acabada”, afirma.» [Isabel Lucas, ípsilon, Público, 30-1-2015]