9.6.09

Porquê Edgar Allan Poe?


Não são muitas as obras de Poe que tenho vontade de reler – o longo poema Eureka, as novelas que iniciaram o género policial e alguns contos indiscutíveis.
Não considero Poe um clássico e estou de acordo com Harold Bloom, que o excluiu do cânone ocidental, embora reconheça ser o mais conhecido escritor norte-americano; ou com Borges, que, «apesar das redundâncias e fraquezas de que sofre cada página», aceita a sua glória.
De facto, poucos escritores tiveram maior capacidade de «contaminação» que Poe. Sob esse aspecto, é comparável a Walt Whitman, Borges ou Pessoa. As obras de Poe influenciaram Dostoiévski, Stevenson, André Gide, e Ginsberg, realizadores como D. H. Griffith e numerosos poetas franceses, incluindo o sofisticado Valéry. Para escritores como Baudelaire que o traduziu e rezava por ele todas as noites, era uma referência obsessiva.
É conhecida a tradução que o autor de As Flores do Mal fez dos seus contos e a versão em prosa feita por Mallarmé de O Corvo influenciou o moderno verso livre europeu quase tanto como as Folhas de Ervas.
Poe inventou o género policial – melhor seria dizer que o «descobriu», pois O Mistério de Marie Rogêt é a reconstituição de um crime real. De qualquer modo iniciou a história de detectives em O Mistério de Marie Rogêt, Os Crimes da Rua Morgue e A Carta Roubada, um género de que o muito original Fernando Pessoa teve alguma dificuldade em desviar-se – depois de o ter mimetizado em A Very Original Dinner. Sem Poe, nem Doyle, nem Collins ou mesmo Chesterton teriam sido possíveis ou os mesmos.
Walter Benjamin sublinhou a importância do conto O Homem da Multidão na criação da literatura em que o indivíduo se perde nas massas urbanas.
Foi sobretudo esse aspecto de «contaminação» que levou à decisão da Relógio D’Água editar duas obras de Poe, O Corvo, que muitos poetas, a começar por Pessoa, traduziram, e o Mistério de Marie Rogêt e O Barril do Amontillado (não fizemos acompanhar O Corvo da conhecida Filosofia da Composição por nos parecer uma mistificadora justificação, a posteriori, do poema.
O nosso projecto será completado com a publicação de vários contos, entre os quais O Caso do Sr. Valdemar, Manuscrito Achado Numa Garrafa, Uma Descida ao Maelstrom e Ligeia.
Para quem se interessa pela vida dos autores, a mais sintética biografia de Poe é dada por J. L. Borges em Edgar Allan Poe – Histórias Extraordinárias, um dos seus Prólogos publicados na Obra Completa.

Francisco Vale

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